sexta-feira, outubro 24, 2008

Breve percurso das séries de animação em Portugal: Exploradores

II - Os Exploradores

Segue-se ao período pioneiro, aquilo a que podemos chamar um período de exploradores, tendo início em 1991 com a série “A Maravilhosa Expedição às Ilhas Encantadas”, é ainda em 1991/92 que se assiste a uma mudança de atitude do então IPACA, que passou a atribuir apoios financeiros públicos específicos para a produção de cinema animação. A “A Maravilhosa Expedição às Ilhas Encantadas”, exibida na RTP, era constituída por quarenta episódios de cinco minutos cada, destinada ao público infantil e realizada por Humberto Santana e Luís da Matta Almeida, que fundam, no mesmo ano, com Rui Cardoso a produtora Animanostra, cinema, audiovisual e Multimédia, Lda. Em entrevista a Ilda Castro, Humberto Santana refere:

“A Animanostra talvez seja a produtora mais próxima da ideia de produtora com características industriais, embora tenhamos muitas características artesanais. Conseguimos ter uma equipa permanente que os outros não têm, o nosso tipo de produtos abrange as séries de televisão para crianças e não só os filmes de autor. Se houvesse condições para haver uma indústria, a Animanostra seria uma produtora virada para a indústria; nas condições que existem, é uma espécie de mix”

Esta produtora irá desempenhar um papel importante na produção de séries de animação, sendo hoje a produtora com maior volume de projectos apresentados e apoios financeiros concedidos pelo antigo instituto do cinema, audiovisual e multimédia (ICAM), hoje instituto do cinema e audiovisual (ICA).
Em 1993 a Animanostra volta a produzir uma série, desta vez temática, destinada ao público infantil, “Poemas Pintados”, realizada por Humberto Santana, e constituída por doze episódios de um minuto cada, caracterizando-se por ser inspirada em ilustrações realizadas por crianças.
Em linha cronológica segue-se outra série para a RTP, “Desinquietações” (1994) de Mário Neves, que conta as desinquietações vividas por um casal e que se demarca pelo seu conteúdo, uma vez que pode ser tida coma a primeira série que dirige os seus conteúdos para o público adulto. No entanto aconteceram vários contratempos e a série não chegou a ser terminada completamente. Produzida pelo estúdio [Panorâmica 35], a série era composta por 52 episódios distribuídos por 3 fases de produção distintas das quais apenas a primeira, constituída por dezassete episódios foi concluída. Ficaram assim, da segunda fase da série, constituída por vinte e três episódios, cerca de metade dos para produzir, sendo que a terceira fase, constituída por doze episódios, aguarda, segundo Mário Neves [2003] “um realizador para continuar a série”[1], encontrando-se a mesma em produção suspensa por tempo indefinido. Em 1994 verifica-se ainda o encerramento de um dos estúdios pioneiros mais produtivos, a Topefilme. Questionado sobre o encerramento do estúdio Artur Correia refere o seguinte:
“Em 1991, terminada a série “O Romance da Raposa”, vimos negados todos os projectos apresentados para novas séries. Ainda aguentámos o estúdio aberto até 1994, mas, crescendo as dificuldades financeiras de sobrevivência, o estúdio encerrou as suas portas em Maio desse ano. (...) A razão estará, talvez, no aparecimento de publicidade executada noutros países e apresentada pela RTP. A falta de protecção oficial à nossa animação só foi compensada pelo aparecimento da Cartoon Internacional, que incentivava as produções dos países da Comunidade Europeia.”
No mesmo ano a Animanostra apresenta os episódio piloto (6 minutos) da série “As Aventuras de João Sem Medo” uma adaptação da obra de José Gomes Ferreira. Porém o projecto viu-se inviabilizado devido à falta de investimento financeiro. No ano seguinte, em 1995, a Animanostra produz ainda oito filmes piloto: para a série “Oscar” três episódios de trinta segundos, realizados por Humberto Santana; para a série “Tóni Casquinha” dois filmes de trinta segundos cada, realizados por Humberto Santana; para a série “Ginjas” três filmes piloto de três minutos cada, realizados por José Pedro Cavalheiro. Esta série viria a obter mais tarde, em 2005, um apoio financeiro por parte do então Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia, no valor de 200.000,00€.
Em 1996 é ainda produzida uma série de dez episódios de um minuto cada, para figurarem do programa infantil “Jardim da Celeste”. Esta série viria a ser produzida por Jorge Neves e realizada por José Carlos Pinto e Yann Thual.
A Animanostra produz ainda em 1996 outro episódio piloto de trinta segundos, para a série “Para Bom Entendedor”, realizado por Humberto Santana. Depois da produção de vários episódios singulares, eis que finalmente a Animanostra volta a produzir uma série cronológica de intervalo de grande envergadura, “A Demanda do R” (1997), realizada por Rui Cardoso e Humberto Santana, e co-produzida com um parceiro francês. A série infantil contava a história de três bravos animaizinhos, que tentavam resgatar a letra R, roubada por um terrível vilão e era constituída por treze episódios de treze minutos cada, tendo sido exibida na RTP1, RTP2 e editada em DVD. Ainda no mesmo ano a Animanostra produz “A Família Barata”, mais um episódio piloto de quatro minutos, realizado por Rui Cardoso. Por encomenda da RTP, realiza ainda duas séries, com vinte episódios cada para o programa juvenil Jardim da Celeste.[2]
Este período fica marcado não só pela experimentação a nível de produção, com co-produções estrangeiras, e muitas produções inviabilizadas, mas também pela experimentação a nível dos públicos, número e duração de episódios.
Apesar de surgirem novos apoios do estado à produção de cinema de animação, o número de produções/projectos inviabilizados é bastante significativo.



[1] O realizador efectua este depoimento em entrevista com Ilda Castro entre 1999 e 2003.

[2] Os episódios desta série foram elaborados por realizadores distintos.